Ainda estou aqui
Em 2007 minha vida deu uma reviravolta.
Precisei
cortar laços que me prendiam, mudar de rumo.
Em
dezembro daquele ano, parti de Porto Alegre, minha cidade natal, e fui morar no
Rio de Janeiro com minha mulher e dois filhos. Tivemos que deixar uma casa
amada, vivemos a tristeza dos quartos vazios.
Éramos
apenas uma jovem família em busca de novos horizontes, forçados a migrar para
que o ciclo da renovação se completasse.
No
Rio de Janeiro, provamos a alegria carioca de viver, uma espécie de magia que
se dá na mistura de sol e mar salgado, entre pessoas que chiam charmosamente
ao falar e sorriem para tudo.
Ao
ver “Ainda estou aqui” foi inevitável lembrar daqueles anos vividos no Rio.
Meu
filho voltando da quadra de futebol com os pés esfolados, às vezes uma ou
outra fratura. Minha filha chegando em casa com seu coque de bailarina exausta
depois das aulas de ballet na Escola Maria Olenewa, do Teatro Municipal.
Coincidentemente, depois ela foi dançar na Dalau, a grande amiga de Eunice.
Naquela
época minha mulher estava feliz com o curso de design de moda que fazia, meu
escritório ia crescendo e eu, aos poucos, amealhando amigos. Uma família
íntegra, feliz e cheia de planos. Uma alegria contagiante.
Ao
assistir o filme senti como se estivessem arrancando minha família de mim.
Doeu muito.
E
essa dor foi se agigantando ao perceber que a história da família Paiva é
uma história perene, principalmente para nós brasileiros.
Não
aprendemos nada.
Inebriados
pelo esquecimento, desatentos com os métodos do extremismo de direita.
Compreendi
que o oito de janeiro foi como a bagunça feita pelos policiais no escritório
do Rubens. Um ato de violência que está no primeiro degrau da violência
fascista que nos assombra.
O
filme trouxe angústia e dor ao meu peito, mas acompanhar a trajetória da
Eunice, encarnada pela “entidade” Fernanda Torres trouxe também acalento,
esperança.
Porque
onde ainda existirem Eunices, existirá esperança.
Eunice
é humanidade.
É
um conjunto de valores que compõe um gigante moral: empatia, alteridade,
afetividade, firmeza de caráter, solidariedade, cordialidade. Tudo aquilo de
que carecemos no novo mundo do Tecnofeudalismo que nos quer como servos.
O
filme merece o Oscar, mas muito além disso, merece os lares e corações dos
quatro cantos do mundo. Merece penetrar nas casas alemãs, húngaras,
polonesas, italianas, austríacas, venezuelanas, russas e ucranianas,
israelenses e “hamasianas”, chinesas e americanas, e se espalhar como se
espalham os vírus até acessar cada morada do globo.
Que todos o vejam, que todos sintam a dor, a
angústia, a esperança, a dignidade e a alegria da família Paiva, para que,
antes que seja tarde, ainda possamos dizer: “sorriam todos!”.
César
Vergara de Almeida Martins Costa
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